Reflexão sobre vias expostas

Discussão em 'Tradicional' iniciado por Rocha, 7/3/17.

  1. Rocha

    Rocha Moderator Moderador

    Existem vias expostas porque seus conquistadores são vaidosos? Esta é uma dúvida que sempre surge...
    Infelizmente a falta de entendimento sobre a escalada tradicional é um fator inerente ao montanhismo. Nem mesmo dentro do montanhismo é fácil de explicar, o que dizer de se tentar explicar isso a um leigo ou às pessoas que estão praticando a escalada como mero exercício físico. Um artigo da UIAA recentemente falou sobre ter áreas preservadas para a escalada de aventura, ou seja, de se preservar este estilo de escalada mais "desafiador". Isto não quer dizer que vamos chegar em um setor de escalada esportiva e arrancar as chapeletas para que as vias fiquem mais expostas.

    A discussão teve por objetivo encontrar uma forma dos dois estilos - esportivo e tradicional- coexistirem, para que tudo não se torne apenas uma coisa ou outra. Então, teríamos setores com estilo de conquista de vias mais "esportivo", onde o risco é reduzido e locais de estilo "tradicional" ou de "escalada de aventura", onde se pode experimentar vias mais desafiadoras, em que teremos também o fator psicológico fazendo parte do jogo. Aí os escaladores podem escolher o que desejam. Por isso temos uma graduação de risco que é o fator de exposição das vias na escalada tradicional.

    Quem tem pouca experiência pode escalar um E1, E2; já quem bastante experiência pode talvez provar uma rota de E3 ou E4, mas somente os mais experimentados podem escalar uma via que tenha o fator máximo de exposição que é E5. Você pode achar que é por vaidade que não se protege uma via, mas podemos também dizer que seja pelo fato de jogarmos limpo com a montanha e com a filosofia do montanhismo que é a de deixar a montanha do jeito que a encontramos. Posso dizer que frequento os dois mundos, pois escalo e abro vias esportivas e tradicionais. Se fosse definir os dois estilos diria que a esportiva visa o grau e a tradicional o desafio físico e psicológico.

    Os dois estilos são alucinantes, podemos ter os dois estilos convivendo, mas sempre vamos ter este tipo de discussão. Porém, uma coisa é certa, o montanhismo surgiu do conceito filosófico, de autoconhecimento e de superação que só a escalada tradicional pode proporcionar. E a discussão mostrada no referido artigo da UIAA pretende preservar esta essência, que pode parecer piegas, romântica demais, mas que é de onde tudo surgiu. Boas escaladas a todos!


    Por: Edmilson Padilha
     
    Última edição: 22/6/18
    Fernandes curtiu isso.
  2. André

    André New Member

    Entrevista com André Ilha


    Recentemente houve novas discussões a respeito de incrementar proteções em vias que ocorrem quedas. Sei que é assunto velho, mas qual a sua visão sobre este tema?


    Céus, lá vamos nós, de novo!

    Se alguém se julga no direito de acrescentar grampos a uma via qualquer, por qualquer razão, outra pessoa poderia também se sentir no direito de arrancar por sua conta os grampos que considerar supérfluos...

    Portanto, no Brasil e no mundo todo, um dos princípios éticos mais elementares da escalada, endossado até pela nossa instituição maior, que é a U.I.A.A., é o que, em nosso país, convencionou-se chamar de "direito autoral", ou seja, a concepção original de uma via qualquer deve ser integralmente respeitada por todos, concorde-se com ela ou não.

    Afirmo que esta é a única forma de se evitar a barbárie que uma "guerra de grampos" poderia causar a uma área qualquer de escalada.

    Modificações na forma original de uma via, seja para acrescentar ou para remover proteções fixas, só se feitas pelos seus próprios conquistadores ou com sua autorização expressa.

    Além disso, a prática nos provou que adicionar muitos grampos aumenta, e não diminui o risco de acidentes!

    Embora à primeira vista esta afirmação pareça paradoxal, é simples entender por quê: vias ultragrampeadas transmitem uma falsa sensação de segurança e estimulam pessoas pouco experientes a entrar nelas, e não existe nada mais perigoso na montanha do que a falta de experiência e, consequentemente, a incapacidade de julgar adequadamente as situações concretas que se apresentam, daí os acidentes em série, inclusive fatais, em vias com grau de exposição E1.

    Uma recente pesquisa levada a cabo pelo Flávio Daflon mostrou que, no Rio de Janeiro, todos os acidentes graves desde 1998, inclusive com três mortes, ocorreram em vias densamente grampeadas.

    A escalada recordista em fatalidades no Rio de Janeiro, o Paredão Cepi, nem bem é uma escalada: é uma via ferrata, um cabo de aço da base ao topo da face oeste do Pão de Açúcar, onde, em tese, não haveria como alguém se machucar e muito menos morrer!

    Mas, precisamente, porque este cabo de aço deixava as coisas muito facilitadas, toda a espécie de pessoas despreparadas achava que podia entrar lá e subir com tranquilidade, inclusive sozinhas, e era um acidente horrível atrás do outro.

    Isto só parou quando a parte inicial do cabo de aço foi arrancada!

    Agora, só quem possui um certo nível de competência técnica pode entrar lá, criando um filtro muito saudável que, ao menos até agora, impediu a ocorrência de novas fatalidades.

    A basoseira de que a escalada móvel seria elitista e muito perigosa já foi superada há tempos, e raros são os acidentes em escaladas deste tipo porque, precisamente por serem mais exigentes, os candidatos a repeti-las preparam-se melhor, o que é um princípio válido para qualquer escalada.

    Além disso, nunca devemos pensar em rebaixar o nível da montanha ao nosso próprio, mas, pelo contrário, nos prepararmos para estarmos à altura dos desafios propostos por ela, e é aí que reside a beleza do nosso esporte.

    Por fim, não podemos nunca perder uma coisa de vista: a escalada é um esporte perigoso, quer se queira, quer não, e mesmo vias esportivas, se repetidas por pessoas desatentas ou despreparadas, podem matar.
     
    Rocha e Robert Wullstein curtiram isso.

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