Manifesto Contra Agarras Cavadas

Discussão em 'Discussões Gerais' iniciado por João Luiz, 8/5/18.

  1. João Luiz

    João Luiz Member

    Manifesto Contra Agarras Cavadas

    "Cada pedaço de rocha éparte da história do planeta e também uma testemunha fundamental da evolução de nosso esporte: defaces de montanha a problemas de boulders, a história da escalada está intimamente relacionada às rochas e às montanhas.
    Quando olhamos para trás, vemos que lances outrora considerados “impossíveis”, agora são regularmente escalados, se tornando um testemunho da capacidade de superação humana e a semente necessária para o crescimento e desenvolvimento do esporte.
    Atualmente vemos a lamentável atitude de esculpir agarras em vias de escaladas no Rio de Janeiro, como no Ás de Espada, Italianos, Coringa e Stopida (Pão de Açúcar) e no K2 (Corcovado). Esse ato, independentemente da motivação, é totalmente inaceitável e constitui-se em egocêntrico, imediatista e limitante.
    Quando se busca um atalho, como cavar ou esculpir agarras, o dano não é apenas àquela via e àquela rocha, e sim ao futuro e à evolução do esporte. Uma rocha com agarras cavadas se torna imediatamente um cristal trincado. Não há volta. Cavar agarras é uma violência contra a natureza, contra o estilo, contra o montanhismo e contra a escalada.
    Escale muito, treine forte, divirta-se e lembre-se: o futuro está literalmente em nossas mãos. Algumas rochas podem parecer “inescaláveis”.
    E talvez realmente assim sejam. Pelo menos, por enquanto."
     

    Arquivos Anexados:

  2. William Moya

    William Moya Active Member

    ENTON!!! O QUE ESTÁ ACONTECENDO...

    Por: Flávio Carneiro "Bagre"

    Na minha opinião, a escalada brasileira está passando por um momento turbulento. Estão ocorrendo distintos temas e assuntos que, para muitos praticantes, são um retrocesso no desenvolvimento técnico e ético do esporte.

    Começando com casos de agarras cavadas. Como entender essa prática, principalmente em algumas vias clássicas e muito frequentadas, conquistadas há décadas? Elas tiveram alterações por "pseudosescaladores" que adaptam a via para os seus objetivos e níveis. Chega a ser surreal o ocorrido. Vias Ícones como o K2 no Corcovado, a via dos Italianos e o Coringa no Pão de Açúcar, Ricardo Prado no Babilônia, Lionel Terray na Pedra Bonita, entre outras, tiveram agarras cavadas ou melhoradas. Esses indivíduos esquecem que um dos principais fundamentos no esporte é realizar a ascensão da via sem descaracterizá-la o máximo possível. Se hoje não é possível escalar, quem sabe daqui a mais ou menos 200 anos elas poderão ser realizadas? O nível técnico da escalada brasileira medida na nossa classificação foi desenvolvendo na seguinte progressão: na década de 70, sexto grau era o limite. Nos anos 80, oitavo era ápice. Em 90, um salto para o décimo grau. Nas primeiras décadas do século XXl, vias esportivas de 11a ou mais, estão sendo encadenadas. Equipamentos e formas de treinamento contribuem para esse avanço de técnicas mais eficientes. Rebaixar a via para o seu desejo e nível deixa uma cicatriz na rocha, irreparável.

    Entre alguns praticantes de escalada esportiva, o debate é sobre a ética considerada radical em não cavar agarras, que em determinados locais e ocasiões retarda o desenvolvimento técnico da modalidade, não permitindo a abertura de vias de elevado grau técnico, que só são possíveis com algumas melhorias e criação de agarras. No Brasil essa prática apareceu em um campeonato nos anos 90, cujos organizadores e routesetters eram franceses, e foi realizado no Platô da Lagoa, no Rio. Também nos últimos anos foi utilizada em vias da gruta de Passa 20 em Minas Gerais, assim como no Parque de Furnas em Friburgo.

    Na escalada de competição, a falta de união levou a criação da ABEE (Associação Brasileira de Escalada Esportiva) que foi criada depois do desligamento da CBME da IFSC. O custo era alto e não se tinha nem um circuito Brasileiro. Essa divisão tem prejudicado a quantidade e investimentos em campeonatos, com premiações baixas e pouco incentivo à realização de campeonatos de base. Mesmo a escalada de competição se tornando um esporte olímpico, a realização de competições diminuiu.

    No tema "Proteções fixas", a discussão gira em torno do uso de proteções industrializadas que seguem normas de resistência e padronização estipuladas pela UIAA e recomendadas pela entidade. Com o item histórico e referência da nossa escalada, o tradicional grampo "P" brasileiro, que são feitos artesanalmente e instalados por compressão e que ao longo de mais de 100 anos da escalada brasileira cumpriu com as suas finalidades de segurar quedas e permitiu a descida dos escaladores, com raros casos de falha. Importante ressaltar que esse tema tem levado a procura e desenvolvimento de proteções com maior durabilidade, eficiência e menor custo para manutenção e aberturas de novas vias – que recentemente foi o tema de um Seminário realizado pela CBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada). Parabenizo a fábrica brasileira BONIER que fabrica chapeletas inovadoras e com bom preço. O tema esquenta quando se fala em manutenção de vias. Manter o mesmo tipo de proteção ou usar qual tipo? Quem iria decidir e definir qual o equipamento a ser usado na manutenção da via?

    Outro tema que está reaparecendo é a retirada de vegetação das paredes e blocos, dentro ou não, em áreas de Unidades de conservação para abertura de novas vias. Algumas espécies de plantas são endêmicas de locais específicos, raras, e com crescimento lento.

    Galera, vale lembrar que grande parte dessa vegetação "NÃO É MATO, NÃO". A biodiversidade tem que ser considerada.

    O aumento de praticantes, facilitação do acesso e divulgação em diversos meios de comunicação, tem acarretado um aumento considerável do lixo deixado nas trilhas e setores de escalada. Pichações e baderna não são raros em alguns tradicionais locais de escalada no Rio e em outros Estados. A tutorização exagerada dos procedimentos e técnicas facilita a popularização do esporte. Muitos praticantes aprendem e praticam por conta própria. Muitas vezes, essa falta de orientação especializada e aleatória ocasiona acidentes e degradação. Acesso à informação é importante, mas não substitui o instrutor experiente.

    Escalada e Montanhismo não são Perigos. São Esportes de Risco. Experiência, uso correto dos equipamentos e sempre ter a capacidade de analisar o risco a que se está disposto correr. Costumo dizer que o melhor escalador é o que se diverte com ética, segurança e respeito. Saiba o que está fazendo e treine para o que busca.

    Nós, da Limite Vertical, estamos abertos a debates nos diversos temas relacionados a escalada Brasileira. Priorizamos o mínimo impacto, diversidade de estilos, repudiamos o recurso “cavar” ou “melhorar agarras”. Desenvolvimento técnico e ético local é importante, mas não de qualquer maneira. Apoiamos o direito autoral e recomendamos o uso de proteções móveis em fendas sempre que possível. Apoiamos e colaboramos com a organização do esporte conjunto a associaçőes, federações, entidades governamentais entre outras... A união dos praticantes é fundamental e necessária para a futuro do Montanhismo e da escalada.

    Abraços e boas escaladas a todos. ..

    Flávio Carneiro "Bagre"

    Centro de Escalada LIMITE VERTICAL
     
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  3. Elaine Silva

    Elaine Silva New Member

    Concordo que uma via não deve ser alterada sem a permissão do conquistador, e é inadmissível alguém chegar lá e cavar uma agarra.
    Mas acho que no caso de uma conquista eu não vejo nada de mal do conquistador abrir uma via com agarra cavada.
     
  4. Roman

    Roman Member

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  5. Ferrari

    Ferrari New Member

    E quando uma agarra sai da rocha, é ético colar de volta?
     
  6. Mateus

    Mateus New Member

    Acho que se a agarra saiu não se deve colar de volta na parede e muito menos cavar uma nova, a tolerância ou exceção seria apenas para furos de cliffs ou pitons durante a conquista.
     
  7. Paulinho27

    Paulinho27 New Member

    Segue o comunicado elaborado pelo conselho da AESC sobre a questão das agarras cavadas. Daqui a pouco vou colocar na página da AESC no Facebook também. Quem puder, por favor, compartilha o comunicado nos locais onde o ocorrido foi discutido:


    COMUNICADO SOBRE ALTERAÇÕES DE AGARRAS EM VIAS

    Diante dos acontecimentos dos últimos meses, a AESC (Associação dos Escaladores da Serra do Cipó) vem por meio deste comunicado manifestar seu total repúdio à alteração de agarras em vias de escalada no Morro da Pedreira ou à qualquer outra conduta que fira a ética da escalada, a conservação do meio ambiente e o respeito ao esporte e seus praticantes. O Morro da Pedreira possui hoje aproximadamente 500 vias, todas naturais e com qualidade reconhecida mundialmente. Estamos sempre atentos e tomando providências enérgicas para condutas desta natureza, na proporção do nosso alcance como Associação mantida exclusivamente com o trabalho voluntário dos escaladores associados.

    Em um caso recente, ocorrido há aproximadamente 1 ano, um escalador ainda não identificado, que ao que tudo indica não faz parte dos frequentadores habituais do Cipó, abriu uma via no Vale Zen, à esquerda da via Gigante pela Própria Natureza. Na ocasião da abertura desta via, foram "cavadas" duas agarras. Constatado este fato, a AESC decidiu, em reunião formalizada em ata, que tal via fosse desequipada, de modo que todas as proteções foram retiradas. Isto como exemplo e para reforçar que este tipo de prática é inaceitável e será sempre combatida com veemência.

    Em um caso mais recente, a via Kriptonita, na Sala de Justiça, sofreu alterações em pelo menos uma de suas agarras chave. Como esta via já possui um histórico de suspeitas de alterações em suas agarras (caso ocorrido há aproximadamente 6 anos), ficou decidido, em comum acordo com o conquistador, que tal via será desequipada, reforçando o nosso repúdio a este tipo de conduta.

    Outro caso que está sendo muito comentado é o da via Hooligans, no Vale de Blair, que também teve uma agarra alterada. As providências a serem adotadas estão sob avaliação, visto que existe a possibilidade de taparmos a alteração para devolver a originalidade da via.

    Vale destacar que esses três casos citados acima são pontuais e são os únicos que chegaram ao nosso conhecimento nos últimos anos. O que é um número relativamente baixo dada a quantidade de vias na Serra do Cipó e o número de escaladores que frequentam a região.

    Para além das ações específicas que estão sendo tomadas para cada caso, a AESC sempre teve como um dos seus principais pilares a preocupação com a ética da escalada e a preservação do meio ambiente. Antes mesmo dos episódios recentes envolvendo agarras cavadas e/ou melhoradas, a AESC já havia iniciado um grupo de trabalho para debater e documentar a ética local. O trabalho tem como objetivo conscientizar os conquistadores e escaladores no sentido de evitarmos a abertura de vias que: (i) estejam localizadas em locais impróprios (boca de caverna, por exemplo); (ii) causem demasiado impacto à vegetação ou a formações rochosas sensíveis; (iii) interfiram em vias adjacentes pré-existentes, sejam elas esportivas ou tradicionais (vias em móvel); (iv) possuem linhas desinteressantes; entre outras características.

    Vale ressaltar que a importância socioeconômica da escalada para a comunidade local é enorme. Projetos como a Escolada (que leva crianças da escola da Serra do Cipó para escalar na rocha), participação nos conselhos da APA Morro da Pedreira/Parque Nacional da Serra do Cipó e Parque Estadual do Tabuleiro são bons exemplos disto. No que tange a questão ambiental, ações como a criação da brigada de incêndio da AESC, manutenção e limpeza de áreas (não só de escalada, mas de cachoeiras e trilhas da região), reforçam a importância do esporte para a região.

    AESC reafirma seu compromisso em manter a conservação do meio ambiente, o desenvolvimento do esporte e principalmente a ética na escalada como pilares de seu trabalho. Agradecemos sempre a todas e todos os escaladores que por gerações contribuíram e contribuem para o fortalecimento do esporte e, consequentemente, da nossa comunidade local.
     

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